Decisão é resultado de pedido da DPU e leva em consideração a necessidade de melhoria nas políticas de saúde voltadas para a população negra
Por: José Odeveza
(Imagem: Reprodução/Getty Images)
A Justiça Federal do Rio de Janeiro determinou nesta última terça-feira (05/05) que os dados registrados e divulgados sobre os casos de coronavírus no país incluam, obrigatoriamente, informações sobre a etnorraça dos infectados. A decisão, liminar, atendeu a um pedido da Defensoria Pública da União (DPU) e do Instituto Luiz Gama (organização que luta na defesa dos direitos e garantias fundamentais dos negros e das minorias no país), e reconheceu a necessidade de identificar grupos mais vulneráveis à pandemia.
Na decisão o juiz federal do Rio de Janeiro Dimitri Vasconcelos Wanderley destacou que “a urgência da medida reside na própria pandemia e na necessidade premente de que os gestores adotem medidas realmente condizentes com as necessidades da população, especialmente a que se encontra em situação de maior vulnerabilidade”.
A defensora pública federal coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da DPU, Rita Cristina de Oliveira, comemora a decisão. Ela avalia que a medida representa o reconhecimento de um direito da população negra, “em especial por se tratar de uma política de atenção integral que vem sendo negligenciada há anos, e durante essa pandemia mostra sua faceta de elevada perversidade à medida que avança sobre os territórios periféricos”.
Para Rita a medida também pode reabrir a discussão da ineficiência das políticas públicas de saúde para a população negra e periférica. “Os marcadores de vulnerabilidade durante a pandemia representam importantes fatores de análise da (in)eficiência da política de contingência em curso e permite sua avaliação futura, pois não se melhoram políticas públicas sem dados precisos de afetação da população”, argumenta a defensora pública federal.
Dados imprecisos
O Ministério da Saúde só começou a publicar dados de pessoas infectadas com o recorte de cor/raça em 10 de abril, a pedido da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade SBMFC) e da Coalizão Negra por Direitos, via Lei de Acesso à Informação.
Segundo reportagem da Agência Brasil, existem brechas ainda nos marcadores raciais dos relatório divulgados pelo Ministério da Saúde. O Boletim Epidemiológico nº 14, de 26 de abril, informa que 5.263 dos 45.772 casos que haviam sido contabilizados até aquele momento foram excluídos da análise porque tiveram a variável raça/cor ignorada no registro.
Esse boletim também mostra que 60,3% dos casos de hospitalização por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) relacionada à Covid-19 foram de pessoas brancas; 31,5%, de pessoas pardas; 5,9%, de pessoas pretas; 2%, de pessoas amarelas ; e 0,2% de indígenas.
No caso dos óbitos, 1.298 do total de 4.205 não tiveram o marcador racial informado e ficaram de fora da análise. Segundo o relatório, até aquele momento, 52,3% de vítimas são brancas; 38,8% são pardas; 6,4% pretas; 2,2% amarelas e 0,3% indígenas.
Nesta terça-feira (05), uma reportagem do portal UOL apontou a existência de repasse ruim de informações dos estados para o governo federal sobre a situação da Covid-19. No texto é apontado que somente 32% dos estados – ou seja menos da metade – apresenta dados detalhados sobre o coronavírus.
Além disso, um fator importante é que os casos e as mortes pelo novo coronavírus são subnotificadas no país, devido ao baixo índice de realização de testes específicos. Em áreas periféricas, o acesso a diagnósticos é ainda mais limitado. Isso significa que o quadro pode ser pior do que os números disponíveis permitem ver.
Racismo estrutural no acesso à saúde
Outros estudos, como por exemplo, os dados do 3° Boletim Covid-19 da Secretaria Municipal de Saúde do estado de São Paulo – estado com maior número de infectados e de mortes do páis -, do dia 30 de abril, apontam que o risco de morte de negros por Covid-19 é 62% maior em relação aos brancos. No caso dos pardos, esse risco é 23% maior, como destaca reportagem do jornal Estadão.
Para a advogada e presidente do Geledés – Instituto da Mulher Negra, Maria Sylvia de Oliveira, os fatores socioeconômicos se somam ao racismo estrutural que também perpassa na vida de pessoas negras no acesso a saúde brasileira.
“O processo histórico de racismo no Brasil coloca a população negra em uma situação de extrema vulnerabilidade. Moradias precárias, negação de acesso a direitos básicos como saneamento básico e saúde são fatores que fazem com que essa parcela da população sofra um impacto muito maior nesta crise causada pela Covid-19”, destaca. E enfatiza: “Essa crise sanitária mundial escancarou as iniquidades a que estão submetidas a população negra, que são a maioria dos pobres e periféricos neste país”.
Segundo o pedido agora aprovado pela Justiça do Rio sobre a inclusão dos dados no Boletins Epidemiológicos, 67% da população negra depende do Sistema Único de Saúde (SUS) e também é a população que tem a maior dificuldade de fazer o isolamento social, já que a informalidade é de 47,3% entre os trabalhadores negros, enquanto a mesma taxa é de 34,6% entre os brancos.