O impacto da intervenção do sistema de justiça avança sobre os direitos humanos, ora apontando para a sua efetivação, ora agravando e reproduzindo padrões históricos, institucionais e culturais de violação. Verificar esta tendência se tornou algo cotidiano no Brasil. Identificar, no entanto, a sua complexidade política, e compreender sua lógica de funcionamento, com vistas à construção de análises, estratégias e ações que apontem para a democratização da justiça, retirando-a de suas bases oligárquicas e reivindicando a sua responsabilidade com a garantia, defesa e promoção dos direitos humanos, é desafio latente na agenda política de justiça em nosso país.
Esta foi a análise que provocou e motivou a nossa reunião de entidades que atuam com litigância em diversos temas de direitos humanos, movimentos sociais, organizações políticas, associações e agentes da justiça com agenda democrática, professores e pesquisadores ligados à academia, e assessoria jurídica popular universitária, para debater o cenário e as perspectivas do controle social e da política pública de justiça no Brasil, e discutir o potencial democrático dos direitos humanos para a realização da justiça.
A avaliação acerca da distância entre a forma e o conteúdo do sistema de justiça que possuímos, e aquele que precisamos e podemos conquistar, deve nortear o debate sobre a justiça. Ilustrativo do problema é o fato de que quase a totalidade dos casos brasileiros levados ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos tem fundamento na negação do acesso ou da efetivação da justiça. Por outro lado, algumas experiências e alternativas ainda isoladas no Brasil e América Latina vêm abrindo caminho para a reflexão sobre as possibilidades democráticas de gestão e jurisdição implicadas na efetivação dos direitos humanos.
Superar mitos, dogmas e preconceitos ainda se apresenta como tarefa prioritária no cenário da justiça brasileira. Neste sentido, cresce a importância do debate, monitoramento e incidência na agenda política de justiça, com o desafio de superar a via atomizada das ações judiciais, a fim de conhecer e entender a lógica política da justiça, de modo a não nos limitarmos a “delegar” esta dimensão política às carreiras públicas do sistema de justiça, sem qualquer contrapeso, participação ou controle social democrático e responsável.
Neste sentido, há que se provocar a construção de uma participação e controle social que não interfiram, mas ao contrário potencializem a autonomia e independência do sistema de justiça brasileiro, fortalecendo-o em relação ao controle vertical interno, exercido pelas cúpulas das instituições da justiça, bem como em relação à influência externa do poder econômico, que hegemoniza a prestação jurisdicional, frequentemente traduzindo-se em negação de direitos econômicos, sociais, étnicos, individuais e culturais.
Identifica-se, portanto, a necessidade de participação da sociedade civil no interior do sistema de justiça, através de mecanismos transparência e participação social na gestão e administração da justiça enquanto política pública, condição para efetiva realização de mudanças no âmbito da justiça brasileira. À revelia da resistência das suas instituições a estas transformações democráticas, compreende-se que a instauração de ouvidorias externas constitui importante mecanismo de acesso e democratização da justiça, constituindo-se como canal de interlocução para a incorporação do conteúdo dos direitos humanos na cultura institucional, e como aliado na distribuição horizontal do poder interno.
Outro elemento relevante para o debate da democratização da justiça é o ingresso nas carreiras jurídicas. O processo seletivo tem sido óbice à democratização no que diz respeito ao perfil dos agentes do sistema de justiça, na medida em que não garante uma pluralidade conforme a diversidade de nossa sociedade. O atual processo seletivo insere nas instituições de justiça um perfil elitizado de juristas e não assegura que o compromisso com os direitos humanos seja um critério de seleção.
Essas são questões que precisam ser consideradas desafios a serem enfrentados a fim de garantirmos um sistema de justiça democrático e que está a serviço do povo brasileiro. A necessidade de repensarmos as estruturas e a cultura institucional do sistema de justiça apresenta-se de forma latente, reivindicando a efetivação de direitos humanos através de uma justiça mais inclusiva, plural e aberta ao diálogo com a sociedade.
Brasília, 8 e 9 de Maio de 2013
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