Envolto em uma crise carcerária que afeta, principalmente, o Maranhão, o Brasil ainda condena a prisão crimes como furto de comida e de objetos com valor irrisório. É o que mostra um estudo recente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) sobre o princípio de insignificância. É que, apesar de não estar previsto em lei, este principio é aplicado quando alguém comete um crime que tem um resultado tão pequeno que não justifica a punição. Mas, como os juízes brasileiros ainda ignoram o conceito, o resultado é que as prisões estão cada vez mais superlotadas e os pequenos delinquentes são enviados para prisões onde convivem com outros criminosos e facções que dominam o sistema prisional.
A pesquisa analisou processos do Supremo Tribunal Federal (STF), entre 2005 e 2009, e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), até 2011, e selecionou acórdãos em que o principio de insignificância foi mencionado em alguma etapa do processo. O que resultou em 458 casos analisados. Entre os processos contabilizados no estudo está, por exemplo, o de uma pessoa que furtou um saco de arroz e o de um indivíduo que correu o risco de ser preso por tentar levar uma cruz de um cemitério.
De acordo com o coordenador do estudo e professor da Faculdade de Direito (FD) da USP, Pierpaolo Cruz Bottini, o exemplo clássico é quando alguém furta uma maçã na feira. É um furto, segundo a lei, mas a irrelevância afasta a aplicação do direito por falta de proporcionalidade. Na pesquisa, este tipo de caso e outros, como estelionato, foram classificados de “crime contra o patrimônio”. Os dados mostram, no entanto, que no STF o princípio de insignificância foi reconhecido em 52,2% desses casos, enquanto que, no STJ, o tribunal aceitou o conceito em 71,3% dos acórdãos. “O número de pessoas presas por furto hoje é muito grande. Isso pesa e pesa muito (na questão da crise do sistema proporcional)”, explica Bottini.
O princípio de insignificância ainda não é tão aplicado na Justiça brasileira porque só ganhou respaldo depois de uma decisão do próprio STF, em 2004, no julgamento de um furto no valor de R$ 25. Para se ter uma ideia, naquele ano, todos os recursos julgados pelo STF negaram a insignificância. Já em 2006 a metade dos casos passou a receber esta consideração pelo tribunal. Só, em 2007 e 2008, que o número de casos com esse tipo de recurso triplicou. “Ainda tem muito juízes que resistem ao princípio, principalmente, pelo fato de não estar previsto em lei”, conta.
Dois pesos duas medidas
Mas o princípio de insignificância não serve apenas para crimes contra o patrimônio. Outro caso em que o conceito pode e deve ser aplicado é nos casos dos chamados “crimes contra a ordem econômica”, como, por exemplo, nos casos de sonegação fiscal. Nestes tipos de contravenção, a situação se inverte entre STF e STJ. Nos casos de crimes fiscais, o principio foi reconhecido em 72,4% (21 casos) no STF. Já no Superior Tribunal de Justiça, somente em 24,4% dos casos de delitos econômicos o argumento referente ao princípio de insignificância é aceito.
A mesma pesquisa mostra, entretanto, que há uma diferença de critérios para avaliar crimes comuns e crimes econômicos. Por exemplo, para crimes comuns, os tribunais consideram insignificantes os bens de valores próximos a R$ 100. Já nos crimes econômicos, os mesmos tribunais entendem insignificantes valores até R$ 10 mil.
Para Bottini, essa diferença entre crimes cometidos por pessoas que são, em geral, de classes mais baixas e crimes cometidos por pertencentes a classes mais abastadas revelam um corte social na jurisprudência.
Fonte: Último Segundo