Defensoria Pública de São Paulo avança na criação de ações afirmativas

Organizações da sociedade civil estiveram presentes na votação para implantação de cotas na Defensoria Pública de São Paulo. (foto: Sheila de Carvalho/Conectas)

Organizações da sociedade civil estiveram presentes na votação para implantação de cotas na Defensoria Pública de São Paulo. (foto: Sheila de Carvalho/Conectas)

Na última quinta-feira (23), o Conselho Superior da Defensoria Pública de São Paulo (DPSP) começou a votar a criação de cotas étnico-raciais para ingresso na carreira de defensor da instituição. Em momento histórico, com o auditório repleto de representação de movimentos sociais e entidades da sociedade civil, seis conselheiros se manifestaram favoráveis à implantação de cotas na Defensoria, contrários ao voto do relator, que pleiteava pelo não conhecimento do pedido.

O tema está em debate a partir do Processo CSDP nº 351/2013, decorrente de pedido apresentado pela Ouvidoria da Defensoria Pública de São Paulo, Instituto Luiz Gama, através do Prof. Dr. Silvio Almeida, e Núcleo de Combate ao Racismo, Discriminação e Preconceito da DPSP, que pleiteia a reserva de 30% das vagas para negros e indígenas.

A votação foi interrompida por pedido de vista de um dos conselheiros e será retomada na próxima sessão. Apesar dos votos favoráveis já serem maioria do Conselho, a votação será somente encerrada e a política formalmente adotada quando todos os 11 conselheiros votarem.

A Articulação Justiça e Direitos Humanos – JUSDH, Conectas Direitos Humanose Centro de Estudo das Relações de Trabalho e Desigualdade – CEERT apresentaram parecer perante o Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no dia 17 de outubro, defendendo a criação e implementação da medida.

“Propõe-se aqui a consolidação de uma Defensoria Pública mais plural e democrática. Uma defensoria que possibilite repensar e reinventar a representação social nas instituições do sistema de justiça, para deixarem de ser espaços essencialmente brancos/masculinos”, aponta do documento.

A JUSDH também assinou o“Manifesto de juristas em favor da implementação das Cotas Raciais nos Concursos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo”, que foi entregue aos Conselheiros da DPSP na última sessão de votação, 23 de outubro de 2014.

Confira o manifesto na íntegra:

MANIFESTO DE JURISTAS EM FAVOR DA IMPLEMENTAÇÃO DAS COTAS RACIAIS NOS CONCURSOS DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

republicanismo e a democracia constituem-se como pilares fundamentais da organização do sistema jurídico e político brasileiro. O republicanismo impõe o dever de combate a todas as formas de privilégio. Já o princípio democrático coloca ao Estado a obrigação de legitimar suas ações perante os cidadãos, os únicos titulares da soberania.

Os séculos de escravidão e da reconhecida omissão do Estado brasileiro em relação à desigualdade produziu inaceitáveis desvantagens para pessoas negras, que se refletem no preenchimento de cargos públicos. Não há respeito aos valores republicanos onde a cor da pele é uma barreira à participação de pessoas nas instituições fundamentais do Estado.Não existe democracia quando parte significativa da população não pertence aos espaços políticos de poder e prestígio. E a cidadania é uma quimera quando ser negro ou indígena é fator restritivo ao pleno exercício de direitos fundamentais.

Da mesma forma, a persistência do racismo e a omissão do poder público em combatê-lo são incompatíveis com os objetivos fundamentais da República: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, da CF), a garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CF), a erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CF) e, principalmente, a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação. O racismo – e o privilégio racial que dele decorre – também mostra-se inconciliável com os princípios administrativos da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da eficiência (art. 37 da CF).

O contexto atual reflete o distanciamento histórico das políticas de Estado de ações efetivas para o enfrentamento do problema, cuja existência ainda é negada por boa parte da sociedade brasileira. A conclusão é extraída do relatório publicado pela Organização das Nações Unidas no último mês, que alerta para a presença de racismo estrutural e institucionalizado no Brasil: “O Brasil não pode mais ser chamado de uma democracia racial e alguns órgãos do Estado são caracterizados por um racismo institucional, nos quais as hierarquias raciais são culturalmente aceitas como normais”.

É imperiosa a ação do Estado e de suas instituições para combater as profundas desigualdades que se reproduzem na sociedade brasileira. Por isso a importância da proposta de implementação de cotas raciais nos concursos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.  A adoção de ações afirmativas teria um impacto extremamente positivo em uma instituição como a Defensoria Pública, cujos fins institucionais estão diretamente vinculados à luta contra todas as formas de exclusão. Acreditamos que a presença de defensores e defensoras negros e indígenas legitimaria a instituição frente à sociedade a que deve servir, pois dentro dela, parte dessa sociedade estaria representada.

Além da própria Constituição, a política de cotas raciais encontra amparo na legislação infraconstitucional e em tratados internacionais assinados pelo Brasil. O Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), lei de abrangência nacional, afirma em seu art. 39 que “o poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas”. Os textos da Convenção no 111, de 1958, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da discriminação no emprego e na profissão, e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965, reforçam o cabimento das cotas raciais para pessoas negras e indígenas nos concurso públicos para ingresso nas carreiras da Defensoria Pública de São Paulo. Portanto, já existem leis que permitem à Defensoria paulista, no uso de sua autonomia funcional e administrativa (inciso IV, do art. 7º, da lei 988/2006), implementar a política de cotas raciais nos concursos.

Ao ampliar as possibilidades de que membros de grupos sociais historicamente discriminados participem de seus quadros, a Defensoria Pública de São Paulo abre-se para uma recomposição política e econômica do tecido social que se manifesta das seguintes formas: a) fortalecimento dos laços sociais, impedindo o isolamento de grupos e retirando a força de práticas discriminatórias; b) exercício da pluralidade de visões de mundo e a dedução de interesses aparentemente específicos do grupo, que agora, com voz ativa, poderá participar da produção de um “consenso”, dando legitimidade democrática às normas de organização social; c) redistribuição econômica, vez que a maior dificuldade de acesso ao mercado de trabalho é característica marcante em membros de grupos historicamente discriminados.

Por estes motivos, manifestamos nosso apoio à proposta e consideramos como um dever do Conselho Superior a imediata aprovação da política de cotas raciais nos concursos de ingresso nas carreiras da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

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