Em entrevista, o representante da Ordem dos Advogados do Brasil, Cézar Britto, analisou a necessidade de aproximar mais o Poder Judiciário da população, combatendo o que denominou de “bestificalização” do Poder Judiciário.
Britto participou da abertura do Seminário A democratização do Sistema de Justiça e as reformas estruturais que nós precisamos, realizado entre os dias 22 e 23 de junho, em Brasília.
Confira:
Cezar Britto: Estamos em um momento em que a busca pela descentralização do poder e dos espaços de decisão entrou na agenda política do Brasil. O engajamento da população brasileira em torno do debate da Reforma Política, com mais de 8 milhões de votos a favor da instalação uma constituinte exclusiva e soberana ou mesmo pelas 600 mil assinaturas reunidas para a Lei de Iniciativa Popular proposta pela Coalizão, mostram isso. Nesse contexto, se torna urgente a discussão sobre a democratização de um dos espaços do aparato estatal que se mostra quase irretocável: o Poder Judiciário.
É preciso dizer que estamos vivendo um período de “máscaras caídas”. As pessoas estão se revelando e demonstrando o que sempre foram, o que exige, de outro lado, respostas imediatas – respostas dos direitos humanos, da classe trabalhadora. Estamos em um momento decisivo. Não é um momento para covardes, é um momento de definição. O Poder Judiciário cresceu na sua história com o mito e o culto da imparcialidade, da separação das mazelas do homem; nos esquecemos que ele é compostopor homens e os homens refletem o seu tempo. O Judiciário também reflete essa dicotomia que passa a sociedade.
O Poder Judiciário também externa decisões extremamente conservadoras em relação aos movimentos sociais e também externa decisões extremamente avançadas na outra ponta. Por isso que devemos encarar o Poder Judiciário como os demais poderes, que merece ser debatido, democratizado e que reflita o seu papel, que é aplicar a justiça.
O que significa essa democratização do Poder Judiciário, da composição ao acesso a população?
São dois tópicos: acessar o Judiciário e ter a resposta do Judiciário. É um longo caminho e esse longo caminho pressupõe tarefas do Executivo: quando aparelha a Defensoria Pública; quando permite a criação de mais Universidades Públicas, a fazendo mais democrática, já que o Judiciário recruta os quadros da Universidade, além de interferir nos seus conceitos – não podemos ter um currículo cada vez mais individualista e menos coletivista. O Judiciário precisa entender que o seu papel é levar a justiça. Às vezes sou mal compreendido quando defendo que o Judiciário precisa parar de investir em prédios suntuosos e qualificar o seu material humano, além de repensar a sua própria estrutura, de forma menos verticalizada e mais horizontal.
Falando em prédios luxuosos, uma das características simbólicas que você apontou como fator de distanciamento entre a população e o Poder Judiciário está na “bestificalização” desse Poder. Fale sobre isso.
A bestificalização do Judiciário nada mais é que a elitização desse Poder. E isso começa desde muito cedo, quando despontamos enquanto crianças, um pouco mais inteligentes, já ouvimos com o orgulho dos nossos pais: “Esse vai ser doutor(a), ele vai ser advogado(a)”. Depois, quando passamos no curso de Direito, nossos pais vibram mais do que os outros cursos. Na própria Universidade o curso de Direito é tratado de forma diferenciada das outras habilitações. E ai, quando saímos da Universidade, temosum linguajar diferente, roupas diferentes, um título de Doutor, até para as relações privadas. Todo esse conjunto, aliado ao conteúdo da Universidade, que é mais individualista e menos coletivo, nos dá esse caldo de acharmos que nós somos melhores que as pessoas. E tem uma frase que explica muito o cotidiano do Judiciário: “diga com quem andas, que te direi quem és”. Se eu ando em um ambiente mais elitizado, ou vou refletir nas minhas decisões esse ambiente mais elitizado. O Judiciário e seus membros precisam se sentir parte da sociedade – assim teremos como reflexo um Poder mais sensível às causas populares.
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