Por Assessoria de Comunicação Terra de Direitos
Não à toa, a avaliação realizada por pesquisadores, estudantes, juristas e integrantes de movimentos sociais é de que a atuação do Poder Judiciário brasileiro está longe do desejado e do necessário. Os apontamentos foram feitos durante lançamento do livro ‘Justiça e Direitos Humanos: Olhares críticos sobre o Judiciário em 2015’, no último dia 23.
A obra traz a análise de 12 casos emblemáticos envolvendo a Justiça, que indicam a necessidade de maior aproximação desse Poder com as demandas da população. Produzido pela Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh) e pela Terra de Direitos, o livro analisa como o Judiciário sem comporta em relação aos direitos humanos em diferentes temáticas, regiões, e instâncias.
Organizadora da obra e advogada popular da Terra de Direitos, Luciana Pivato aponta que o material mostra algumas tendências na atuação desse Poder. “Mas temas diferentes tem tratamentos diferentes”, avalia. Segundo ela, é possível observar que a balança do Judiciário pende para a defesa da propriedade, mesmo que isso viole outros direitos fundamentais como o direito à moradia de comunidades de ocupações.
Além disso, mais da metade dos casos trazidos no livro – não intencionalmente – são relacionados a questões judiciais envolvendo empresas. A advogada popular e integrante da JusDh destaca que é um dado a ser observado, pela histórica relação entre o Judiciário e setor empresarial, como no patrocínio de eventos da magistratura. Desde sua construção, a JusDh vem questionando a influência de empresas nos espaços do Sistema de Justiça.
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O livro também traz emblemáticas decisões que garantem a efetivação dos direitos humanos. Ainda que pontuais no Sistema de Justiça Brasileiro, ações devem servir de referência na análise e decisão em outros casos semelhantes no país.
>> Acesse o livro | Justiça e Direitos Humanos: olhares críticos sobre o Judiciário em 2015
A Justiça que precisamos
A atuação do Sistema de Justiça é também reflexo de sua construção, como foi apontado durante o debate realizado no dia 23. Presidente da Associação Juízes pela Democracia, André Bezerra destaca que o judiciário é ainda um poder muito fechado. A Lei Orgânica da Magistratura (Loman), lei que rege o funcionamento do Poder Judiciário do Brasil, por exemplo, foi criada durante época da Ditadura Militar, e torna a carreira do magistrado verticalizada.
Para Bezerra, a forma como esse Poder é composto também influencia em sua forma de atuação. De acordo com dados do Censo do Judiciário de 2014, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os juízes brasileiros são predominantemente brancos e homens. Dos 17 mil juízes em atividade, apenas 36% são mulheres. Enquanto pretos e pardos representam 50% da população brasileira segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílio, 98% dos juízes e juízas são brancos.
O presidente da AJD aponta que são essas pessoas que decidem sobre diferentes casos, como de racismo, reintegração de posse e conflitos fundiários. “Mas esse juízes não sofreram preconceito pela cor de sua pele, nem perderam um pedaço de suas terras de uso coletivo sagrado para a construção de uma hidrelétrica”, reflete.
Professora da Unicuritiba, Heloísa Câmara também indica a necessidade de maior empatia nas decisões judiciais. “Para quem ganha R$ 4 mil de auxílio moradia é muito difícil se colocar no lugar de quem não tem casa”, fala. Ela destaca a tendência em considerar como procedente ações jurídicas individuais (como em processos relacionados à falta de atendimento de saúde), mas não considerar ações coletivas, como nos casos de ocupações de terra. “Há filtros que fazem com que direitos individuais sejam colocados acima dos coletivos”, avalia.
Bezerra também aponta dificuldade de juízes e juízas tomarem decisões que vão ao encontro dos direitos garantidos na Constituição Federal Brasileiro de 1988. “Muitas vezes a honestidade de juízes é posta em dúvida quando ele coloca em prática o que está estabelecido na Constituição – como no grande exemplo dos comentários em programas policialescos”.
Sobre a urgência em democratizar o Poder Judiciário no país, participantes do evento também destacaram necessidade de ampliar a participação e o controle social em diferentes espaços, como no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), além dos operadores do direito. Bezerra apontou que espaços – mesmo aqueles já existentes – não podem ser ocupados apenas por pessoas com formação jurídica, mas deve ser composto de forma plural e com militantes de diversas áreas.
Participantes também destacaram a importância de criar ou aperfeiçoar mecanismos de controle social que garantam que o Judiciário escute, de forma efetiva, todas as partes, e avance no modelo de audiência pública, que muitas vezes se caracteriza como cumprimento de uma formalidade.