NOTA | Repúdio à decisão do STF que viola princípio da presunção de inocência

Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, nesta quinta-feira (5),  por 6 votos a 5, o entendimento de flexibilizar a presunção da inocência prevista na Constituição de 1988 para permitir a prisão de pessoas, ainda que o processo criminal não tenha sido julgado de maneira definitiva.

Este é mais um dos retrocessos que a atual composição do STF vem promovendo em matéria de garantia e efetivação de direitos fundamentais.

A presunção de inocência é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, conquistado com muita luta popular contra o arbítrio estatal em aplicar de maneira apressada e irresponsável uma pena a quem tem chances de ser inocente. A regra está consagrada na Constituição brasileira e define, de maneira precisa e direta, que ninguém será culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. O texto não dá margem a dúvidas ou interpretações distorcidas da constituição que buscam responder a anseios punitivistas de ocasião.

A própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil há mais de 24 anos, também traz a presunção de inocência como direito fundamental de todos quando diz que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.

Estamos estarrecidos com argumentação defendida pelo Ministro Edson Fachin quanto à adequação das prisões antes do trânsito em julgado como forma de combater a impunidade das violações de direitos humanos.

No entanto, nenhum dos casos citados imprudentemente pelo Ministro seriam solucionados com a aplicação do novo entendimento que esvazia a presunção de inocência. As condenações do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em casos como Sétimo Garibaldi e Damião Ximenes, citados pelo Ministro, são na verdade provas da seletividade do sistema de justiça criminal.

Em outras palavras, trata-se da opção conservadora de um sistema que pune ativistas de direitos humanos, jovens negros das periferias, mas que, ao mesmo tempo mantém impunes as oligarquias que agem com violência contra as lutas por transformações sociais no país.

Os dados da Comissão Pastoral da Terra, por exemplo, não deixam dúvidas sobre essa seletividade. Segundo o relatório Conflitos no Campo Brasil, apenas 6% dos crimes contra movimentos sociais do campo são sequer investigados. Entre 1995 e 2013, 1678 pessoas que lutavam pelo direito à terra foram assassinadas no país. Só este ano o Comitê Brasileiro de Defensores/as de Direitos Humanos registra 53 assassinatos.

Neste universo, apenas 106 casos foram levados a julgamento, resultando na condenação criminal de 26 mandantes e 86 executores diretos. Enquanto isso, entre 1995 e 2014,  3964 defensores/as do direito humano à terra foram presos, em sua maioria através de decretos de prisões cautelares.

A decisão do STF é uma verdadeira afronta ao texto da Constituição Federal de 88 e certamente contribuirá para levar à prisão muitos inocentes que tem que enfrentar o conservadorismo e a cultura criminalizante da justiça de um pais que tem mais de 1 milhão de pessoas presas. O próprio Ministro Ricardo Lewandowski reconheceu em seu voto que esta decisão poderá agudizar injustiças corridas pelos Tribunais Superiores. Segundo ele, mais de 40% das decisões de tribunais locais são revertidas pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo STF.

Portanto, trazemos à público nossa perplexidade diante dos retrocessos em matéria de direitos fundamentais e da afronta à Constituição de 1988 promovidas pelo judiciário brasileiro e especialmente pelo Supremo Tribunal Federal na data de ontem.

Curitiba, 5 de outubro de 2016

Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh) e o Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

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