Qual o papel da litigância em direitos humanos no quadro macro de atuação estratégica da Defensoria? Essa e outras questões foram discutidas durante o seminário Litigância Estratégica em Direitos Humanos: usos sentidos e práticas na Defensoria Pública, evento que reuniu defensoras e defensores públicos, operadores do direito, acadêmicos e militantes de diferentes estados do Brasil no Rio de Janeiro, nos últimos dias 29 e 31 de março.
Promovido pelo Fórum Justiça e pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DP-RJ), o seminário promoveu mesas de trabalho dedicadas à apresentação e discussão dos casos de litigância estratégica em direitos humanos.
A assessora jurídica da Terra de Direitos e integrante da Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh), Maria Eugenia Trombini, participou da mesa temática “Litigância Estratégica em Direitos Humanos na Defensoria Pública: Questões Teóricas”, onde apresentou as ações da Articulação na atuação pela democratização das Defensorias, como a incidência pela criação e implementação de Ouvidorias Externas e as ações afirmativas para ingresso na carreira.
Além de insistir na manutenção e continuidade dos trabalhos da Defensoria e na imprescindível proximidade com os movimentos sociais, Maria Eugenia citou alguns litígios estratégicos em potencial, como a discussão do auxílio moradia versus direito à moradia, o caso da quilombola Gracinha e o esquema de adoção dos bebês de mulheres em situação de rua.
Ainda, a assessora Camila Marques, da Artigo 19, e o assessor João Paulo Godoy, da Conectas, organizações que compõem a JusDh, participaram do seminário.
>> Leia a nota da Defensoria Pública do Rio de Janeiro sobre o evento:
Defensores debatem acesso direito à instituição pela sociedade
Por: Defensoria Pública do Rio de Janeiro
Última participante da mesa Litigância Estratégica em Direitos Humanos na Defensoria Pública: Questões Teóricas, realizada nesta quinta-feira (30), a defensora do Rio Grande do Sul Patricia Ketterman destacou a relevância do contato direto com o usuário dos serviços da instituição, que deve ser entendido claramente como “titular de direitos”.
– Para haver litígio estratégico, o primeiro grande passo é os defensores fazerem atendimento e identificarem os casos a serem enfrentados. O defensor deve oferecer uma escuta qualificada, com profundo respeito pela pessoa que está ali à sua frente –, resumiu.
Patricia Ketterman acrescentou que os casos devem ser analisados segundo critérios como impacto, urgência e efetividade e que, mesmo em se tratando de atuação extrajudicial, é importante tentar antecipar eventuais desdobramentos, avaliando como o Poder Judiciário responderia à demanda.
A defensora do Rio Grande do Sul enfatizou ainda que há situações em que a mídia funciona como parceira, pois não são raros episódios em que notícias geram “repercussão gigantesca muito favorável” ao direito em questão. Ex-presidente da Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep), ela lembrou que a entidade atua em litigância estratégica junto ao Supremo Tribunal Federal, inclusive na defesa de mulheres grávidas contaminadas pelo vírus da zika.
Os trabalhos da mesa tiveram início com a participação do professor da Universidade Federal do Pará, Antonio Maués, para quem a litigância estratégica não deve ser avaliada apenas pelos ganhos materiais obtidos, mas também pelas conquistas simbólicas decorrentes da visibilidade e da discussão suscitada sobre o assunto em questão. Ele classificou como de “desconstitucionalização” e de “desdemocratização” o período por que passa o pais, com “restrições do acesso aos direitos sociais” assegurados em 1988.
E é esse, disse ele, o contexto em que a litigância estratégica em direitos humanos e os instrumentos para tal devem ser analisados. O professor apontou alguns espaços e iniciativas valiosos nesse cenário, como “o papel central” e “proativo” de Ouvidorias como as das Defensorias do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul.
Assessora jurídica da Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos, Maria Eugenia Trombini destacou ser preciso “tornar o sistema de justiça mais permeável à realidade, pois é difícil fazer com que a cabeça pense sobre onde o pé não pisa”. Ela se debruçou especialmente sobre uma comparação cujo objetivo é evidenciar a “assimetria” econômico-social.
Segundo Maria Eugenia Trombini, é uma questão de litigância estratégica questionar que a soma do auxílio-moradia pleiteado pelos mais de 17 mil magistrados de todo o país (cerca de R$ 4,7 mil mensais para cada um, ou R$ 910 milhões anuais), seja suficiente para garantir moradia aos pouco mais de 100 mil brasileiros em situação de rua, ao custo de R$ 750 mensais individuais ao mês.
Membro do Ministério Público de Minas Gerais, a promotora Nivia Monica da Silva discorreu sobre “o apoio comunitário como porta de entrada para as demandas” no sistema de justiça, abordando especialmente a atuação pelo direito de moradia das famílias atingidas pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana. A representante do Fórum Justiça Élida Lauris foi a mediadora do encontro e enfatizou a relevância do evento produzir “conteúdo propositivo para a democratização da justiça, do qual a litigância estratégica é ferramenta”.