Em um tribunal tão fragmentado, alguns ministros podem adotar posturas de colaboração ou obstrução ao governo
Via Portal Jota
Por: Diego Werneck Arguelhes e Felipe Recondo
O Supremo será, assim, invariavelmente convidado a se manifestar sobre cada passo que o governo Bolsonaro tomar em sua agenda de reformas.
O recente decreto flexibilizando os requisitos para a posse de arma, por exemplo – uma das bandeiras centrais da campanha de Bolsonaro – já foi questionado perante o Supremo. Mas o tribunal não é obrigado a aceitar esse convite – ao menos não nos exatos termos em que foi formulado. O presidente dá o ritmo do processo legislativo nacional, mas não determina diretamente a coreografia judicial, que inclui recursos além das decisões formais. Por meio de sinalizações e ameaças públicas, bem como pela manipulação da agenda de julgamentos do Supremo – nas turmas e no plenário – os ministros podem colocar o tribunal em posições mais ou menos protegidas, mais ou menos expostas, ao mesmo tempo em que ajudam a moldar a pauta legislativa futura. O Supremo define com grande liberdade o seu próprio ritmo interno e, com isso, pode influenciar o mundo fora do tribunal.
Sinalizações de 2018 para 2019
Para quem planeja reformas legislativas drásticas, a decisão judicial ideal é aquela que nunca chegará. Em toda grande inovação legislativa há um risco potencial de inconstitucionalidade. Em um país com controle judicial de constitucionalidade, como o Brasil, esse risco depende não apenas do conteúdo da reforma em si, mas da disposição ou atitude da geração corrente de juízes em enxergar ali um problema constitucional, e de agir ou não como veto. Qualquer informação sobre a extensão e direção do risco judicial – o risco de juízes agirem como veto a uma mudança legislativa – é decisiva para os políticos.
Às vezes, os ministros sinalizam uma posição substantiva futura sobre a agenda de reforma que está em pauta, caso venham a julgá-la. Quanto a maior antecedência com que uma reforma é anunciada como central para o governo, mais oportunidades os ministros terão de indicar como se posicionariam em um julgamento futuro.
Considere, por exemplo, o “Escola sem Partido” – o vago conjunto de slogans que se condensou em projetos de leis em alguns municípios e estados ao redor do país, e cuja manifestação legislativa na esfera federal tramita no Congresso. Em 2018, o Supremo já teve oportunidades de sinalizar posição sobre questões relativas a liberdade de ensino e pesquisa, pluralismo pedagógico e autonomia universitária. Em outubro de 2018, entre o primeiro e o segundo turno das eleições, o Supremo se pronunciou sobre a constitucionalidade das decisões judiciais determinando incursões policiais em universidades, alegadamente para remover propaganda eleitoral. Os ministros foram unânimes em criticar esse uso de poder estatal para limitar, à força, a livre expressão e discussão de ideias nas universidades.
Em alguns dos votos, os argumentos ganharam tons mais gerais do que aquele episódio específico, e que talvez possam ser lidos como diálogos com futuras pautas do governo Bolsonaro sobre educação em geral. O ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, afirmou que “se um professor, o expositor quer falar sobre o fascismo, o comunismo, o nazismo, ele tem o direito de falar. (…) Não é a autoridade pública que vai fazer um filtro paternalista e antidemocrático”.
Como antecipação do debate sobre o “Escola sem Partido”, porém, essa sinalização tem um alcance limitado. Naquele caso, a ameaça a princípios constitucionais vinha ali de decisões do próprio judiciário, na esfera eleitoral, e que foram defendidas apenas nos termos das exigências da legislação eleitoral. É difícil negar que há alguma relação mais geral entre as intervenções nas universidades e o programa ideológico do governo eleito. Entretanto, é difícil extrair das assertivas fortes dos ministros um recado mais claro sobre propostas legislativas concretas sobre o ensino no Brasil para além das universidades. Por mais que se concorde com os ministros, essas assertivas – naquele contexto, enfocando o ensino universitário, e naquele grau de abstração – ainda nos dizem pouco sobre a posição do Supremo sobre as propostas do governo Bolsonaro para o ensino em geral.
Houve outra chance de enviar sinais mais claros e inequívocos quanto ao Escola de Partido. Estava na pauta do tribunal, no dia 28 de novembro de 2018, um caso envolvendo uma lei estadual de mesmo teor do projeto “Escola sem Partido” que tramita no Congresso. O ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, já havia antecipado na decisão liminar uma posição crítica com relação à substância do projeto de lei. Dias antes da sessão, porém, o projeto de lei foi arquivado. Em clara evidência da sintonia entre a agenda do tribunal e o processo político, o Supremo respondeu tirando de pauta o caso envolvendo a lei estadual.
Se há, no tribunal, uma maioria de ministros que considera o Escola Sem Partido inconstitucional, foi uma oportunidade perdida. O arquivamento congressual não precisava implicar engavetamento judicial. Ao contrário, o arquivamento no Congresso criou um espaço mais confortável para uma atuação judicial para o futuro. Já sabíamos quem estaria no governo e na legislatura de 2019, mas ainda estava no poder o governo anterior. Quando juízes atacam, durante o governo de hoje, um projeto importante para o governo futuro, o custo político é mais baixo. O tribunal poderia ter decidido desde já sobre o “Escola Sem Partido” na esfera estadual para sinalizar uma possível resistência, na esfera federal, em um caso futuro. Mais especificamente, poderia dizer, desde já, o quê considera inconstitucional em uma lei desse tipo, aumentando o custo de se fazer mudanças drásticas no ensino brasileiro.
Ao criar incentivos e riscos para o comportamento legislativo futuro, a decisão de hoje pode até mesmo poupar o tribunal de voltar ao mesmo tema quando o governo da vez colocá-lo como prioridade no Congresso e na agenda da opinião pública. Ou melhor: serão os políticos a assumir o custo público de legislar contra uma decisão recente e expressa do tribunal. Se não houve sinalização de resistência no momento mais fácil, de baixo custo, é menos provável que essa resistência ocorra no futuro, quando o risco político for mais alto para o tribunal.
Às vezes, as sinalizações ocorrem fora dos autos. Já é comum ver ministros do Supremo antecipando posições na imprensa. Essas declarações afetam o cálculo de atores políticos ao redor do tribunal. Mais recentemente, um ministro em particular tem explícito nas suas sinalizações fora dos autos com relação ao cenário de 2019 – Dias Toffoli, o mais novo presidente do Supremo.
Toffoli assumiu o comando do Supremo em setembro de 2018, depois de dois anos de presidência da ministra Cármen Lúcia. A presidência anterior foi marcada por uma relação tumultuosa entre os poderes, em que o Supremo foi parte da crise – às vezes até mesmo contribuindo para o seu agravamento. Em contraste antecipado, logo antes de assumir, Toffoli se autoproclamou publicamente como “conciliador”. Internamente, buscaria pacificar um tribunal conflagrado. Externamente, prometeu diálogo, colaboração e discrição, por parte do Supremo, neste primeiro ano de governo Bolsonaro.
Algumas sinalizações vieram por palavras. O ministro classificou como “movimento de 64” o golpe de Estado que deu início à ditadura militar. Disse ser “hora de a política retomar o protagonismo e o Judiciário se recolher ao seu papel tradicional”. Antecipou seu juízo sobre o decreto que flexibilizou a posse de armas, afirmando que essa alteração seria constitucional desde que não violasse cláusulas pétreas da Constituição. Disse que o tribunal está comprometido com as reformas.
Além das palavras, algumas atitudes de Toffoli também chamam a atenção. Nomeou um militar para sua equipe no Supremo (general que depois foi nomeado ministro da Defesa por Bolsonaro). Encorajou que Celso de Mello se tornasse o porta-voz principal do tribunal na reação institucional aos ataques ao tribunal. Bolsonaro, por sua vez, consultou Toffoli sobre quem indicar para o Ministério da Defesa (outros ministros do Supremo foram consultados no processo de escolha de outros postos no governo, mas é significativo que, no caso da Defesa, o presidente tenha conversado com o Supremo dessa forma).
Deixar o governo eleito governar, em vez de criar obstáculos – uma mensagem clara que, na prática, deve significar uma abertura do tribunal para formar sua pauta em diálogo com o governo, e com vistas à governabilidade do país. O presidente do Supremo define, em última instância e de maneira absolutamente discricionária, quais casos serão levados a julgamento. Ao falar em “moderação” e “negociação” em 2018, o ministro Toffoli já começou a moldar as ações dos políticos em 2019.
Essas sinalizações não significam que haverá apoio judicial substantivo, no tribunal, em decisões formais favoráveis ao governo. Mas sugerem, no mínimo, que o poder de pauta, a voz pública e a liderança interna do presidente do Supremo serão utilizados para viabilizar uma atuação do novo governo com alguma margem de liberdade.
Por sua vez, o silêncio dos integrantes do tribunal quando foi retirado de pauta o caso do “Escola Sem Partido” pode indicar que essa auto-contenção anunciada por Toffoli não encontrará, em princípio, resistência ativa de uma maioria dos ministros do Supremo.
O silêncio como caminho do meio
Sinalizar “não-oposição” não é assumir um compromisso de apoio substantivo, no mérito de conflitos que chegarão ao judiciário. Como um de nós observouem recente texto com Thomaz Pereira, entre “resistência” e “oposição” a uma reforma do governo existe um caminho do meio – o silêncio. Essa tem sido, na verdade, uma importante estratégia do Supremo desde a redemocratização em se tratando da agenda principal do Executivo: se a única resposta politicamente segura seria chancelar a política do presidente, é preferível sequer pautar o caso. Se a resposta judicial esperada, qualquer que seja ela, deixará o tribunal exposto de alguma forma, o silêncio passa a ser uma opção estratégica. Em muitos casos, aliás, o Supremo escolhe pautar um tema muitos anos depois do contexto político original, em que a questão era politicamente explosiva. Decidir contra um governo que não começou é mais seguro que contra o governo da vez, mas decidir contra um governo ou coalizão legislativa passados, após muitos anos, é ainda mais fácil.
O Supremo possui recursos mais do que suficientes para se manter em silêncio.
Basta que um relator não libere um caso para pauta; ou que o presidente não chame o caso para julgamento; ou ainda que, começando a ser julgado, um único ministro peça vista. Com frequência, basta o engajamento de uma única dessas peças individuais para que tenhamos uma não-decisão. Com isso, as chances de uma não-decisão sobre qualquer um dos temas politicamente sensíveis que o Supremo recebe é sempre muito maiores do que de uma decisão colegiada.
Esse baixo custo do silêncio é uma das razões pelas quais confrontos diretos entre Supremo e Executivo são raros no Brasil. Mas, além disso, mesmo nos casos que são de fato decididos, sucessivas gerações de ministros se mostraram no geral hesitantes em se opor frontalmente ao governo – a qualquer governo, mesmo que não tenha indicado uma maioria no tribunal.
O Supremo tem escolhido com bastante cuidado os casos em que se arrisca algum potencial tensão com o Poder Executivo. São reduzidos os exemplos de confronto direto dos ministros, em decisões das turmas ou do plenário, com a agenda ou programa central do presidente. Casos assim praticamente não ocorrem. Quando há intervenções do Supremo, elas tendem a ser bastante pontuais. As exceções ficam por conta de reformas que envolviam o serviço público, quando a resistência judicial tende a ser maior.
Essa não é uma crítica ao tribunal de hoje. É, antes, quase uma postura judicial consolidada, governo após governo, mesmo quando as reformas em jogo envolveram profundas reformas constitucionais. Fernando Henrique Cardosoredesenhou a ordem constitucional econômica e criou a reeleição para o executivo. Lula aprovou a reforma do judiciário com significativo apoio da presidência do Supremo, na época ocupada por Nelson Jobim. Temer não teve problemas com o Supremo quando aprovou a reforma trabalhista e a PEC do Teto. (Nesse último caso, o recurso tem sido claramente o do silêncio: as ações que contestam essas mudanças legislativas controversas ainda não foram julgadas.)
Na esfera da atuação penal do Supremo, porém, os conflitos têm sido cada vez mais frequentes e intensos.
Indiretamente, o Supremo se moveu dentro do campo da política partidária no caso do Mensalão. Lula assistiu a figuras centrais de seu governo, como José Dirceu, tornarem-se réus. Dilma Rousseff viu – com reserva e distância, e sem registro de interferência – os colegas de PT sendo condenados. Temer viu a si mesmo e membros de seu governo chegando perigosamente perto do redemoinho criminal do Supremo; o presidente foi salvo pelo escudo legislativo da Câmara dos Deputados, que não autorizou o processamento da denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. Em 2019, novos desdobramentos da Lava Jato e a atuação do Ministério Público – especialmente se a recondução para um novo mandato não for possível ou desejada por Raquel Dodge, atual Procuradora-Geral da República – podem forçar confrontos entre os poderes. Se esses confrontos na arena penal eram raros nos anos 90, por diversas razões políticas e institucionais, eles têm sido uma marca crescente da política brasileira nos últimos anos.
“Ministrocracia” versus estratégia institucional
As considerações feitas até aqui pedem uma reformulação da pergunta-título deste texto: o que esperar de cada um dos ministros do Supremo em 2019? No Brasil de hoje, essa pergunta é fundamental. Olhar o Supremo como um todo é perder de vista a lógica principal de funcionamento do tribunal, que tem funcionado como um agregado – às vezes coordenado, às vezes conflituoso – de agendas, estratégias e comportamentos individuais.
Toffoli, como presidente, expressou um norte, uma expectativa pública de comportamento no seu discurso na abertura do ano Judiciário. Tem utilizado a posição da presidência para neutralizar alguns arroubos monocráticos de ministros do Supremo – estratégia que, embora não inédita, não faz parte das tradições do tribunal. Mas, no fundo, Toffoli falou apenas por si. A posição do presidente, com todos os seus poderes já conhecidos e mesmo com os novos usos que Toffoli possa lhes dar, não será suficiente para impedir um ministro de usar seus poderes individuais para – por exemplo — impedir a venda de estatais, derrubar uma política setorial de governo, de suspender a posse de alguém nomeado pelo presidente da República, ou ignorar a atual jurisprudência do Supremo e garantir foro privilegiado pretérito para o filho do presidente. Na ausência de mecanismos preventivos, a invenção de mecanismos para apenas remediar decisões individuais já tomadas não neutraliza o risco de que ministros sozinhos produzam consequências graves na esfera política.
No passado, a atuação do Supremo perante o governo nos deixa com uma imagem de um tribunal buscando construir algum tipo de posição de equilíbrio – ainda que imperfeito e nem sempre estável – entre o Legislativo e Executivo, entre exigências da administração do Estado e demandas da sociedade. Nessa busca, a nota dominante na atuação individual era a da cautela, que, na dúvida, pautava a atuação colegiada – ainda que os ministros também se preocupassem em não demonstrar subserviência ao Executivo. Hoje, essa nota compartilhada de cautela parece ter ser erodido.
A busca por equilíbrio, quando aparece, não é coletiva ou institucional, mas apenas acidental.
Cada ministro, com suas contas individuais, faz pender o tribunal para o lado que considera correto. Na contabilidade final de preferências individuais, o Supremo revela como posiciona os pratos da balança. Considerando, porém, que os poderes do relator para decidir sozinho e não pautar os casos que não queira ver decididos pelo colegiado são vastos, essa não é uma conta simples. Um ministro conta muito mais do que um voto no colegiado. O resultado final depende muito de para quem os processos são distribuídos. É essa conta quase impossível de fechar, porém, que dá o cenário instável em que o governo eleito definirá suas políticas públicas.
Toffoli afirmou que procurará ser o “algodão entre os cristais”. Mas o presidente, em um tribunal assim, pode não conseguir ser nada além de mais um entre os onze – como parece ter sido o caso de Carmen Lúcia. Enquanto houver certa tranquilidade institucional, com o governo ainda dando os primeiros passos, os conflitos podem permanecer dormentes. Com o passar do tempo, porém, o governo se desgasta, a liderança presidencial será mais exigida, as pressões por reforma ficam mais intensas e os riscos aumentam. Como conter as individualidades? Algumas soluções já apresentadas ao presidente, como ampliação do uso do plenário virtual para o julgamento de processos, apenas mascaram os problemas da Corte: se os ministros quiserem deixar de lado esses procedimentos e continuar decidindo sozinhos, quem ou quê os impedirá?
Conjunturas diferentes, distintos Supremos
Para produzir ação ou inação do tribunal, coletiva ou individual, os fatores mencionados acima se combinarão ainda com a conjuntura. O Supremo costuma decidir, sinalizar e formar sua agenda tomando o pulso da política nacional – e/ou das páginas dos jornais, dependendo do ministro. A conjuntura faz diferença. É muito mais seguro decidir contra o Congresso se isso significa ficar do lado do governo; e também mais seguro, embora ainda arriscado, decidir contra o governo se isso significa ficar do lado do Congresso. Nos dois casos, há menos chance de que atores insatisfeitos com uma decisão desfavorável consigam reunir os recursos políticos e institucionais necessários para atacar o Supremo.
A implicação é que, se o governo Bolsonaro começar a dar sinais de fraqueza, o Supremo terá mais espaço para agir. A eleição dos presidentes da Câmara e do Senado já é um passo decisivo na definição desse cenário. Além de ser um teste público de força do governo no Congresso, essas eleições definirão que lideranças políticas controlarão a pauta da Câmara e no Senado. Quanto mais separados governo e legislativo, mais espaço político a ser ocupado por um terceiro judicial. Dependendo da posição dos ministros sobre os temas substantivos da pauta da reformas do governo, o tribunal poderá ocupar esses espaços com decisões contrárias às políticas do governo.
Nesse sentido, o ano começa com o Supremo – ou melhor, o ministro Marco Aurélio – decidindo o que fazer com a investigação de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro no Rio de Janeiro. No recesso, o ministro Luiz Fux, como presidente interino do Supremo, suspendeu o seguimento da investigação a pedido de Flávio. O agora senador argumentava que só poderia ser investigado no Supremo, pois é parlamentar. Os fatos sob apuração ocorreram quando Flávio Bolsonaro não era senador, nem se relacionam com seu mandato de senador. Logo, seguindo a decisão do Supremo, que teve apoio e voto do próprio Fux, o inquérito deve ficar a cargo do Ministério Público do Rio de Janeiro. O assunto tornou-se a primeira crise política do governo, com grande potencial de estragos. A resposta do ministro Marco Aurélio, em sentido contrário à liminar de Fux, veio já no primeiro dia do novo ano judicial.
O ano começa com Toffoli analisando o Regimento Interno do Senado para anular a primeira deliberação dos senadores do ano: a aprovação de uma questão de ordem pelo voto aberto na eleição da Mesa Diretora. Uma liminar concedida horas antes da eleição, com alta voltagem política, que beneficia um candidato – Renan Calheiros – em detrimento dos demais e depois de uma sessão tumultuada do Senado. A decisão de Toffoli foi alvo de protestos no Senado por parte dos adversários de Renan. Senadores cogitaram abertamente descumprir a decisão, mas, ao final, cumpriram-na, achando uma forma de driblá-la na substância: declarava ao microfone como estavam votando ou mostrava a cédula preenchida para o plenário (ou para as câmeras), o que garantiu a vitória do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Esse tipo de “guerra de liminares” é alimentado por divisões na opinião pública e tende a ficar mais frequente quanto mais desgastado o governo ficar.
No tribunal, já aportaram questionamentos às primeiras medidas do governo, como flexibilização do porte de armas e transferência da formulação de políticas indigenistas para o Ministério da Agricultura. Ainda chegarão ações contra a ampliação de autoridades competentes para impor sigilo a documentos oficiais e, certamente, ADIs contra as mudanças mais substanciais propostas (mas de incerta aprovação) pelo governo, como Reforma da Previdência.
Quando o Supremo as julgará? Na “lua de mel” do governo ou após as primeiras derrotas políticas? Ou, ainda, após o fim do governo, quando a importância da controvérsia na conjuntura já tiver se desfeito?
O Supremo define a sua coreografia, mas essa definição tem refletido tentativas de acompanhar o pulso da política, no ritmo definido pelos sucessos ou insucessos do governo.
Na definição de cada um desses passos, o tribunal é atravessado pela “ministrocracia”. Em um tribunal tão fragmentado, e tão sensível a variações da força do governo, alguns ministros podem adotar posturas de colaboração ou obstrução ao governo que tem menos a ver com o mérito constitucional do caso, e mais com estratégias individuais de apresentação pública ou de articulação política. Quando isso acontece, nem a colaboração, nem a obstrução corresponderão, de fato, à tarefa de guardar a Constituição.
DIEGO WERNECK ARGUELHES – Professor da FGV Direito Rio
FELIPE RECONDO – Sócio e diretor de conteúdo