Um mês após protestos contra racismo, Conselho Nacional de Justiça institui grupo pela igualdade racial no Judiciário com espaço de escuta a sociedade civil.
* Por José Odeveza.
O combate ao racismo na sociedade brasileira tem sido uma tarefa árdua dos movimentos de reivindicação de direitos à população negra ao longo dos anos. O afunilamento de fatos como intensificação da violência policial sobre essas vidas, baixa representação da diversidade negra nos espaços de poder (Legislativo, Executivo, Judiciário) e a falta de reconhecimento do racismo como problema estrutural pelo Governo são apenas alguns dos desafios a serem superados.
Se no Executivo e no Legislativo as ações/discussões de enfrentamento ao racismo se movimentam lentamente, o Poder Judiciário ainda vive contradições maiores. Constituído majoritariamente por pessoas brancas, o Judiciário é um dos responsáveis pelo encarceramento massivo da população negra, enquanto é provocado, ao mesmo tempo, a garantir direitos. Como pensar nos avanços necessários para que o Judiciário brasileiro saia de cima do muro e combata efetivamente o racismo institucional?
Desde junho ocorrem manifestações antirracistas em todo o Brasil e também em diversos outros países. É nesse contexto que, o CNJ, tem realizado uma série de debates em busca de mudanças na estrutura racista do Sistema de Justiça Brasileiro.
Primeiro o órgão realizou um seminário virtual interno para discutir igualdade racial no Poder Judiciário e o racismo estrutural no Brasil, em 8 de julho. No mesmo dia, foi instituído pelo presidente do Conselho, ministro Dias Toffoli, um grupo de trabalho interno para atuar na temática de igualdade racial. A Portaria Nº 108 do CNJ de 08/07/2020, institui um grupo de trabalho destinado à “elaboração de estudos e indicação de soluções com vistas à formulação de políticas judiciárias sobre a igualdade racial no âmbito do Poder Judiciário”.
Em seguida, no último dia 12 de agosto, o CNJ iniciou um debate com a sociedade civil sobre Igualdade Racial no Judiciário. O evento virtual, se apresenta como o início de uma grande discussão – amplamente necessária – de uma atuação proativa da Justiça para trabalhar contra o racismo institucional existente neste poder.
A Terra de Direitos, organização de direitos humanos, junto a Articulação Justiça e Direitos Humanos – JusDh, enviou uma série de medidas necessárias para promover a igualdade racial no Judiciário. Entre as medidas prioritárias estão a necessidade de diversidade do perfil do magistrado – com a efetivação das cotas nos concursos para juízes, e a reestruturação da atuação da justiça criminal que atualmente prende mais negros do que brancos, pois 64% da população carcerária brasileira é negra, ou seja quase dois terços das 758.676 mil pessoas presas no país.
Para a assessora jurídica da Terra de Direitos, Maíra Moreira, a movimentação do CNJ acontece principalmente pelo aumento do debate público sobre racismo na sociedade, e pela reivindicação ativa pela representatividade da população negra no espaços públicos de tomada de decisão.
“O judiciário está sendo provocado em razão do debate público ter se ampliado nesse momento por conta do aumento – ainda maior – das violências explícitas contra a população negra, e do racismo explícito e escancarado contra essa população – questão que vem tomando uma dimensão ainda maior na esfera pública a partir dos protestos e das reivindicações que exigem uma transformação radical dessas estruturas que condicionam a população negra a violência, a miséria e a vulnerabilidade extrema na sociedade. Ou seja, o CNJ e o poder Judiciário, como um todo, vem sendo provocado a responder a esse desafio” aponta a advogada.
Maíra também destaca que o Judiciário é pressionado não só pela intensificação das da judicialização do racismo, mas também é chamado a promover uma mudança estrutural interna do Sistema de Justiça. “O Judiciário que historicamente atua apartado do enfrentamento do racismo institucional, vem sendo chamado a se posicionar e a tomar medidas que garantam efetivamente o acesso dessa população não só a possibilidade de ocupar espaço concreto dentro do Judiciário, mas também de pensar como o Judiciário vem reagindo às demandas da população negra que são levadas ao Sistema de Justiça.” explica Maíra.
O memorial na íntegra enviado pela Terra de Direitos e pela JusDh pode ser acessado aqui.
Trabalho conjunto com a sociedade civil
No grupo de trabalho pela igualdade racial no Judiciário instituído pelo CNJ, negros representam 66% do grupo de trabalho, e não negros representam 34%. Ou seja, pela composição, o grupo se assemelha mais com a real diversidade racial da população brasileira, que segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, é de 56,10%.
Lamentavelmente, a realidade da Justiça brasileira está bem distante dessa diversidade racial, apresentada pelo GT de igualdade do CNJ. Segundo os dados do último censo sociodemográfico realizado pelo CNJ, em 2018, apenas 18% da magistratura se declara como negra (16,5% pardas e 1,6% pretas), frente aos 80,3% dos juízes e juízas que se declararam como brancos. Além disso 1,6% se declara de origem asiática, e apenas 11 magistrados se declararam indígenas. O corpo funcional de magistrados (juízes, desembargadores, ministros) é constituído por cerca de 18 mil pessoas, também segundo dados do censo de 2018.
Com este GT é possível notar os esforços do CNJ em definir qual será o papel da Justiça brasileira na história, perpetuando suas frequentes falhas no combate ao racismo ou abrindo passagens para medidas antirracistas . A inclusão da sociedade civil como subsidiadora do relatório que apontará as medidas necessárias para a igualdade racial no Sistema de Justiça, é um fator central para a adoção de boas medidas antirracistas.
Segundo Maíra, a discussão sobre o racismo no Judiciário foi demandado pela sociedade civil, e é com ela que o Judiciário precisa contar pra avançar em ações concretas. “É a sociedade civil que – tradicionalmente – demanda que o Judiciário se adeque ao paradigma da democratização, e ao mesmo tempo é a sociedade civil que, historicamente pleiteia direitos negados nesse âmbito. Essa participação e, ao mesmo tempo, essa agenda da democratização da Justiça é historicamente promovida pela sociedade civil. Não fosse essa necessidade de responder a essa demanda provavelmente a gente não teria alcançado tantas reflexões importantes nos últimos tempos – está em jogo qual a Magistratura que queremos e precisamos para a construção de uma sociedade antirracista.” enfatiza Maíra.
A última reunião pública sobre igualdade Racial no Judiciário com a participação de diversos pesquisadores e coletivos do movimento negro no país, pode ser assistida na íntegra: