Ex-presidente teve pena aumentada de 9 para 12 anos em julgamento de segunda instância realizado nesta quarta-feira
Fonte: Brasil de Fato
Por: Daniel Giovanaz e Rafael Tatemoto
Mais de oito horas de julgamento, nenhuma prova. A 8ª Turma do Tribunal Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, manteve nesta quarta-feira (24) a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A corte também ampliou a pena de nove anos e seis meses de prisão e para 12 anos e um mês de reclusão no chamado “caso triplex”. Mesmo com a decisão, o PT reafirmou que Lula é o candidato da sigla nas eleições presidenciais de 2018.
“A pena é exacerbada e desproporcional, sem nenhuma justificativa. É um réu primário, sem antecedentes, deveria ser aplicada a pena mínima. Um acinte ao requisitos legais”, diz Patrick Mariano, da Rede Nacional de Advogados Populares (Renap).
A sessão do TRF4 foi aberta às 8h30 pelo presidente da 8ª Turma, desembargador Leandro Paulsen. Em seguida, João Paulo Gebran Neto, relator do caso no TRF4, indeferiu todos os questionamentos preliminares feitos pela defesa e negou que os procuradores do MPF e o juiz de primeira instância Sergio Moro fossem suspeitos para julgar o caso. Ao contrário, durante 3h30, seguiu à risca a interpretação de Moro e legitimou o uso de métodos polêmicos durante as investigações da Lava Jato, como as conduções coercitivas sem intimação prévia e os grampos ilegais de telefonemas do ex-presidente Lula.
Mariano classificou o voto de Gebran Neto como “uma vergonha”. “Ele defendeu o juiz Sergio Moro e a condução coercitiva. Isso foi de uma baixeza e de uma estupidez rara de ver. É o mesmo que justificar a tortura”, disse. O Código de Processo Penal estabelece que as conduções forçadas são possíveis apenas após intimação prévia que tenha sido desrespeitada.
Gebran explicitou sua posição no sentido de que, para condenar Lula, não seria necessário apontar atos de ofício — ou seja, medidas relacionadas ao cargo que ocupava — em troca de vantagens indevidas. Por sua posição na chefia do governo, sua participação se comprovaria pelas indicações aos cargos de direção da Petrobras.
O segundo a votar foi o revisor e presidente da 8ª Turma do TRF4, Leandro Paulsen. A leitura do voto durou 1h30, durante a qual Paulsen elogiou a sentença de Moro e o relatório de Gebran Neto, o qual seguiu.
O revisor se posicionou no sentido de que não é necessário apontar para onde recursos foram desviados no crime de lavagem de dinheiro. Segundo ele “basta a ocultação do produto da ação criminosa”.
“O desembargador revisor está condenando o ex-presidente por crime estranho ao processo”, afirmou nas redes sociais Afrânio Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. “Parece que está condenando o Lula pela corrupção dos diretores da Petrobras. Absurdo e total falta de técnica jurídica”.
O último desembargador a votar foi o revisor Victor Luiz dos Santos Laus, que dedicou a maior parte do seu tempo para defender a execução da pena — ou seja, a prisão de Lula — após o esgotamento dos recursos em segunda instância.
Luciana Pivato, advogada da organização de assessoria jurídica Terra de Direitos, alerta que a decisão contra Lula deve servir ao debate sobre como funciona o modelo judicial brasileiro.
“O resultado não chega a ser nenhuma surpresa. É uma decisão política, sem provas, violadora de garantias e direitos que foram conquistados com muita luta. Não é novidade para advogados e advogadas que trabalham na defesa de movimentos sociais. Nós sempre denunciamos aspectos que devem chamar a atenção da militância. O sistema penal foi criado — e vai seguir sendo — seletivo e punitivista. É preciso trabalhar juntos por um novo modelo de Justiça e parar de depositar nossas esperanças nesse Judiciário”, disse.
Mencionada por todos desembargadores, a complexidade do caso exigia um resultado distinto. Essa é a opinião de Beatriz Vargas, professora de Direito da UnB e integrante do PSOL, partido que deve lançar candidatura própria para Presidência.
“Me surpreendeu muito nem tanto pela condenação, mas pela homogeneidade de entendimento. Eles iguais em tudo, nos pressupostos e até na dosimetria. Parece uma única pessoa dando o voto. Uma coisa impressionante. Esse tipo de performance em um tribunal de segundo grau, principalmente em um caso complexo, é raríssima. Passa a ideia de uma sintonia difícil”, diz.
“Foi uma transcrição da sentença de Moro. Não pareceu que houvesse por parte de nenhum dos desembargadores um acréscimo de algo diferente do que já não houvesse na sentença. Nesse caso, é preciso fazer um exercício muito grande de silogismos, de construção lógica, com pouco ou nenhum amparo probatório. Eu imaginei que haveria divergência. Quanto mais fraca a prova, mais fácil o erro. Eu lamento muito ”, analisa.
Como a decisão foi unânime, o único recurso cabível ainda em segunda instância são os embargos de declaração. A defesa, lembra Vargas, tem alternativas legais para impedir a prisão de Lula.
“Há a expectativa que a defesa entre com habeas corpus. Há agora um problema com a execução da pena, esgotados os recursos em segunda instância. Nós que não estamos no processo, cidadãos que queremos que as eleições se dêem de forma regular, vamos fazer as ações políticas necessárias para garantir a legalidade e a democracia”.
Vargas explica o impacto da decisão: “Não há nada o que comemorar no direito. Independente de ser o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esse resultado, na atuação foro-criminal, é extremamente negativo. Ele forma uma dinâmica que vai se alastrar para instituir uma tolerância muito grande com a ausência de prova. Leo Pinheiro foi o que conferiu maior força à narrativa condenatória. Eu digo que o TRF4 decidiu pelo in dubio pro Leo”.
Após a publicação dos votos, os advogados de Lula têm o prazo de dois dias para apresentar embargos de declaração, discutindo omissões e contradições das posições de cada desembargador.
Edição: Vanessa Martina Silva