Judiciário brasileiro: democracia aviltada

 

Principal congresso de magistrados brasileiro reunirá, em maio, apenas partidos e lideranças de direita, jurista que atuou no julgamento do TRF-4 e representantes do capital financeiro. Confira nota da JusDh

De 24 a 26 de maio, a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) realizará o XXIII Congresso Brasileiro de Magistrados em Maceió/AL. Trata-se do principal evento da categoria, que costuma reunir milhares de juízes de todas as instâncias e locais do país.

Desde 2009, as organizações que se reúnem na Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh) denunciam as escolhas de palestrantes e o patrocínio de eventos por empresas e bancos.

Todos sabemos que o Judiciário está no centro das atenções da sociedade e ocupa, atualmente, lugar decisivo na crise política instalada no Brasil. Com estrutura hierárquica e historicamente fechada à sociedade, a instituição jamais experimentou qualquer mecanismo de controle democrático.

Essa brevíssima reflexão tem por objetivo chamar a atenção para o grande evento da magistratura que se aproxima. Sua programação deixa explícito, de forma escandalosa, o grau de comprometimento do Judiciário com partidos à direita do espectro político, como PSDB e PP, comprovando que a nossa (in)justiça tem lado: nomes como Geraldo Alckmin e João Doria, além dos senadores Álvaro Dias e Ana Amélia Lemos, comporão as mesas que debaterão a politização da justiça e a judicialização da política. René Ariel Dotti, assistente de acusação da Petrobras durante o julgamento dos recursos do ex-presidente Lula no TRF-4, será a estrela do primeiro painel do evento.

Presença e influência de empresas no Judiciário brasileiro: patrocínio empresarial de eventos, pagamento de honorários e suspensão de segurança

Além dos atores políticos acima citados, a captura corporativa também comparecerá ao Congresso: para discutir “informatização e celeridade”, por exemplo, foi convidado ninguém menos que um consultor econômico do Banco Bradesco.

Sobre a presença e a influência das empresas no Poder Judiciário, uma primeira observação diz respeito ao elevado número de processos em que são parte. Dos cerca de 100 milhões de processos que tramitam no Judiciário, mais de 40% são demandas do setor financeiro e de grandes empresas[1]. Esse abarrotamento de processos orientou, por exemplo, os rumos da reforma do Judiciário, inaugurado com a Emenda Constitucional 45/2004, que buscou garantir segurança jurídica e eficiência na prestação jurisdicional – interesse dos negócios financeiros por celeridade e previsibilidade – muito mais do que transformar as estruturas do sistema judicial para adequá-lo à sua função de solucionar conflitos sociais e de interesse coletivo. Como suas grandes “clientes”, as empresas têm se utilizado de estratégias de captura do Judiciário. Dentre estas, denunciamos três categorias que acreditamos que precisam ser combatidas no Brasil.

A primeira delas é o patrocínio de eventos da magistratura, por meio do qual as empresas financiam e participam ativamente de congressos, seminários e cursos para juízes, desembargadores e ministros. Apesar da edição da Resolução 170/2013, que limita o financiamento empresarial de eventos da magistratura e a participação de magistrados em eventos promovidos por empresas, as regras estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça não têm sido eficazes para proibir essa prática no país. Desde sua criação, a Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh)[2] tem incidido pela proibição dessa prática. Já denunciamos eventos como:

  • XX Congresso AMB – financiado e com palestra da Confederação Nacional da Agricultura (2009);
  • XXI Congresso AMB, financiado pela Norte Energia, responsável pela construção de Belo Monte, realizado em Belém, com participação de cerca de 1500 juízes;
  • Congresso Amagis, financiado por empresas da Vale, como Angloamerican, realizado em 2015;
  • VI ENAJE – Encontro Nacional de Juízes Estaduais, realizado na Bahia, em Resort de Luxo, contou com patrocínio do Banco Caixa Econômica Federal e da Veracel Celulose.

Recentemente, a JusDh, em reposta a pedido de informações sobre o monitoramento da Resolução do Conselho Nacional de Justiça, teve notícia de que o procedimento instaurado com esse fim se encontra suspenso por decisão de um dos conselheiros, sob o argumento de se tratar de matéria que aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal. Contudo, o litígio existente consiste em Mandado de Segurança 32040, em que a liminar pretendida para a suspensão da norma não foi concedida pelo relator, Ministro Celso de Mello[3].

Outra forma de verificação deste processo de captura é o pagamento de honorários para realização de palestras em eventos promovidos pelas empresas. Em 2015, a Folha de S. Paulo, com fundamento na Lei de Acesso à Informação, solicitou aos Tribunais Superiores informações sobre o número de palestras e os respectivos pagamentos recebidos pelos ministros. De acordo com a matéria divulgada[4], três ministros do Tribunal Superior do Trabalho chegaram a ministrar 19 palestras em eventos realizados pelo Banco Bradesco – o mesmo representado no painel do Congresso – no período entre janeiro de 2013 e junho de 2015. Juntos, receberam cerca de R$ 245 mil a título de honorários. Como se isso não bastasse, estes mesmos ministros funcionam como relatores em 186 processos do Banco em tramitação no TST.

Por fim, destacamos, no plano da litigância propriamente dito, a utilização da chamada Suspensão de Segurança como instrumento jurídico para viabilizar no âmbito judicial a realização, por exemplo, de grandes projetos e megaeventos. Consolidado durante a ditadura militar, esse instrumento permite que qualquer decisão liminar em favor do Estado seja suspendida pelo presidente do Tribunal correspondente, caso ele avalie que tal decisão cause lesão à ordem, saúde, segurança e economia pública. São exemplos de casos de impactos pelo uso do instituto: Construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte; Hidrelétrica Tapajós; Demarcação da Terra Indígena Daje Kapap Epi (Sawre Muybu) e Duplicação estrada de ferro Carajás. Mais informações em pesquisa realizada pela Terra de Direitos[5].

Não resta dúvida de que o Judiciário brasileiro ocupa, atualmente, lugar central na agenda política do país, e que democratizá-lo exige a construção de estratégias coletivamente. É imprescindível atuarmos na produção de informação, disseminação de conhecimento e formação junto aos movimentos sociais sobre o funcionamento do sistema de Justiça e sua relação com os direitos humanos.

A incidência estratégica sobre esta agenda já obteve resultados importantes, como a própria regulamentação pelo CNJ – embora a Resolução não tenha impedido a prática dos financiamentos empresariais e pagamentos de honorários. Por isso, a JusDh tem avaliado e investido na adoção de outras ações, como o litígio estratégico e a ampliação denúncias públicas sobre os desmandos do Judiciário, no sentido de revelar seu caráter ainda tão hermético, classista e com potencial cada dia mais nocivo à população brasileira.

[1] A Crítica. Ministério da Justiça aponta os três principais problemas do Judiciário brasileiro. Disponível em: http://acritica.uol.com.br/noticias/Ministerio-Justica-principais-Judiciario-brasileiro_0_1086491378.html

[2] A Terra de Direitos participa e contribui na animação da Articulação Justiça e Direitos Humanos – JusDh, que é uma rede nacional composta por entidades e organizações de assessoria jurídica e movimentos sociais que lidam com ações judiciais em diversos temas de direitos humanos. Criada em 2011 no I Seminário Justiça e Direitos Humanos, realizado na cidade de Brasília, a rede é fruto dos diálogos e análises que as entidades e movimentos vêm realizando desde o ano de 2008 sobre a justiciabilidade dos direitos humanos, em sua relação com os problemas do acesso e democratização da justiça. Desse modo, a JusDh constitui-se como uma estratégia conjunta de organizações de direitos humanos voltada para a implementação de uma agenda política pela democratização da justiça. Saiba mais em: www.jusdh.org.br

[3] http://www.jusdh.org.br/2017/03/09/a-articulacao-justica-e-direitos-humanos-repudia-resposta-do-conselho-nacional-de-justica/

[4] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/09/1678348-banco-paga-palestras-de-juizes-do-trabalho-que-julgam-seus-processos.shtml

[5] http://terradedireitos.org.br/2016/02/16/suspensao-de-seguranca-neodesenvolvimentismo-e-violacoes-de-direitos-humanos-no-brasil/

http://terradedireitos.org.br/wp-content/uploads/2015/10/Vers%C3%A3o-5-boletim-empresas-e-violacoes-internet.pdf

 

Articulação Justiça e Direitos Humanos – JusDh

31/1/2018

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