Em atividade de formação para defensores públicos da União, movimentos e organizações sociais declaram que o lugar de atuação do defensor público não pode ser dentro do gabinete

Segundo membros da Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh), a Defensoria Pública da União não está aberto a “negociação”.

*José Odeveza, com supervisão de Lizely Borges.

Defensores públicos recém empossados participam de formação com movimentos populares e organizações sociais. Foto: José Odeveza (JusDh)

Na última terça-feira (12), movimentos populares e organizações sociais participaram, na sede da Defensoria Pública da União (DPU), em Brasília, de uma formação para defensores públicos da União, recentemente empossados. O debate, que contou com a participação da Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh), destacou para as/os novas/os defensoras/es a necessidade dos trabalhos estarem alinhados à missão institucional da DPU. Outro destaque realizado pelos expositores foi o de que o “pensar o direito”, ou seja, os estudos já estruturados pela àrea, de caráter mais conservador, não pode limitar a atuação dos profissionais que são designados a atuarem com um público diferente dos outros órgãos do Sistema de Justiça, como é o caso da Defensoria.

Intitulada de “Sociedade Civil, Movimentos Sociais e Defensoria Pública da União: uma parceria necessária para efetivação de direitos humanos”, a mesa com participação de representantes de organizações sociais e movimentos populares destacou, como eixo central de reflexão, a necessidade da atuação do defensor público da União para a efetivação dos direitos humanos do conjunto da população. Outras questões como a hegemonia do Sistema de Justiça brasileiro, sua seletividade e a necessidade da atuação conjunta do defensor e os movimentos sociais também foram destaques no debate.

A professora de direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub), Camilla de Magalhães Gomes, destacou que a partir do atual sistema de justiça, os direitos humanos são tratados de forma universalizada e não universal pelo direito.  “Trabalhamos com direitos humanos e direitos Fundamentais. A gente parte do ponto de que estamos tratando de um tema universal, mas existe uma diferença entre universal e universalizado. A linguagem politica do direito transforma o debate universal – Direito de todos, em uma linguagem universalizada – único ponto de vista, uma linguagem hegemônica e dominante – um discurso jurídico”, problematiza Camila.

A professora destaca ainda que dentro do campo do direito, questões como gênero e raça são exemplos claros de rupturas dessa universalização dos direitos Humanos. “Gênero e Raça como categoria jurídica, trazem para o direito essa universalização. Se eu não posso deixar juridicamente legível, ou eu abandono ou deixo mais acessível, desistindo de pensar. A segunda maneira – menos honesta, é dizer que estou trabalhando gênero e raça, mas que na realidade não estou. Eles só encaixam as novas pautas, se conseguirem adequar ao texto tradicional. É sempre assim: ‘Vamos tratar feminismo, como mulher’” afirma a professora de direito.
Qual é o lado da Defensoria Pública da União?

A coordenadora da Terra de Direitos, Luciana Pivato, problematizou sobre o cumprimento do papel institucional da DPU. Foto José Odeveza (JusDh)

A coordenadora da Terra de direitos, um das organizações que compõem a JusDh, Luciana Pivato questionou os novas (os) defensoras (es) sobre a atuação do defensor público da União perante os outros órgãos do judiciário brasileiro.

“No judiciário não existem tantos amigos, para quem trabalha com direitos humanos. O defensor tem que estar alinhado à missão institucional da DPU. O Judiciário e o Ministério Público (MP) têm lado, e esse lado não é dos pobres, dos movimentos sociais, dos direitos humanos. A pergunta que devemos fazer é se a Defensoria Pública da União estará desse lado?”, questiona Pivato.

A advogada ressalta ainda que os defensores da DPU atuar para garantir a acessibilidade das camadas mais pobres da sociedade ao Sistema de Justiça, o público prioritário atendido pela Defensoria Pública. Em sua fala, Luciana destacou a Resolução 127-2016-DPU, que regulamenta a tutela coletiva de direitos e interesses e cria 24 cargos de Defensores Regionais de Direitos Humanos, dos quais apenas a metade encontram-se providos. Luciana também reivindica esforços para criação da Ouvidoria Externa de Defensoria Pública da União, criada pela Resolução 59, em 2012, e até então não implementada. A criação de espaços na DPU destinados aos direitos humanos, assim como a implementação da Ouvidoria Externa são fundamentais  para a realização do controle social e para o diálogo e escuta sistemática dos movimentos, grupos e defensores/as de direitos humanos.

“Não queremos ver a imagem do judiciário e do Ministério Público na Defensoria Pública. Precisamos de formas para garantir que a atuação profissional das/os defensores/as públicos se mantenha voltada aos interesses daqueles/as que necessitam. Os ‘clientes’ da Defensoria Pública não estão trabalhando nos gabinetes, não estão em instituições. O público da DP são os pobres, as mulheres, a juventude negra exterminada, a favela, os acampamentos sem–terra e sem teto, a população LGBTI, as centenas de travestis assassinadas anualmente. O público da DP está na luta, está muitas vezes nas manifestações em busca de direitos garantidos na nossa Constituição e negados sistematicamente, portanto é nas ruas e não nos gabinetes que se espera que as/os defensoras/es também estejam”, complementa Luciana.

A cabeça pensa onde os pés pisam

Tchenna Maso destacou o respeito às especificidades dos povos pelo defensor público. Foto: José Odeveza (JusDh)

A advogada do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Tchenna Maso, destacou que “não pode existir o distanciamento entre o defensor público da União do conflito” e que a “atuação mais coletiva e conjunta ajuda em mecanismos de estratégia para atuação dos movimentos” aponta Tchenna.

Segundo a advogada do MAB, “quem estuda direitos humanos sabe que cada sujeito é diferente e é necessário respeitar os protocolos dos sujeitos”, em referência a aproximação do defensor público com as comunidades. Já o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Adelar Cupsinski, complementa que “a atuação da Defensoria e do defensor deve ser orientada a partir da realidade das comunidades, junto aos movimentos sociais, tendo a parte política, jurídica, mas também a parte espiritual” frisa Cupsinski.

Educação e Direitos humanos
Segundo o juiz de direito, Marcelo Semer o “defensor não é apenas um advogado”. Cabe ao profissional a promoção do debate das políticas públicas pelos integrantes do Sistema de Justiça e população. “Quem é que a maior credor das políticas públicas? São as pessoas carentes e o maior devedor é o Estado. Assim, Os credores recorrem à defensoria pública” afirma Semer.

O juiz destaca que dentro da função do defensor “não basta ser receptor das demandas, vocês também criam demandas, porque as pessoas às vezes nem se quer sabem dos seus direitos. Esse é o trabalho de vocês” destaca o juiz aos novos defensores públicos.

Para os debatedores, a DPU se estabelece institucionalmente como aliada na defesa e promoção dos direitos humanos. Como crítica, os expositores denunciaram que os outros órgãos do Sistema de Justiça tentam invalidar frequentemente os direitos das camadas mais excluídas da população.

 

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