Controvérsias e posições pouco definidas marcam fala pública do novo procurador-geral da República, Augusto Aras. Posse do cargo aconteceu nesta quinta-feira (26)
*Por José Odeveza, com supervisão de Lizely Borges
O novo procurador-geral da República Augusto Aras tomou posse do cargo na última quinta-feira (26). Aras foi sabatinado no dia anterior (25), pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal e teve aprovação por 23 votos favoráveis contra votos 3 contrário à indicação do seu nome para o cargo. Em seguida, teve sua indicação também aprovada pelo Plenário da Casa, por 68 votos a 10. A nomeação de Aras acontece após a Presidência da República ignorar a lista tríplice divulgada em junho, em processo de votação realizado pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR).
A sabatina na CCJ, que durou pouco mais de cinco horas, levantou dúvidas sobre as posições do novo Procurador. Separamos alguns trechos da sabatina e convidamos três profissionais que discutem a democratização do sistema de justiça, em diferentes áreas, para analisar as falas de Aras.
Independência da PGR
A independência da Procuradoria-Geral da República foi um dos primeiros aspectos abordados pelos senadores. O indicado ao cargo já havia dado declarações sobre posições conservadores e admitiu que, se fosse indicado por Jair Bolsonaro (PSL), teria uma atuação alinhada ao Presidente da República.
Questionado se essa proximidade com Bolsonaro poderia afetar sua atuação como Procurador e a missão institucional do órgão que ele irá representar, Aras respondeu que: “Independência por si só, pode gerar conflitos, por isso é importante a harmonia entre os poderes”, destacou o sabatinado.
Para o professor de direito da Centro de Ensino Superior de Brasília (IESB), António Escrivão, o novo Procurador Geral parece estabelecer uma relação de contraposição entre independência e harmonia. É o Ministério Público Federal (MPF) que possui a função de fiscalização e controle sobre os atos do Poder Executivo, o que tende a colocar ambas os poderes instituídos em rota de colisão. “O que chama atenção, é verificar que nesta avaliação realista das relações entre os Poderes, o novo PGR já assuma, de saída, que dará prioridade à harmonia em face da independência funcional, o que na prática significa anunciar, parafraseando o Art. 11 do AI-5, que os atos de governo estarão afastados do controle judicial”, aponta o professor.
Atuação do Judiciário
Para falar sobre a atuação do Judiciário no Brasil, Augusto Aras se ateve principalmente à atuação dos Tribunais Superiores. A questão destacada refere-se ao que ele nomeou de “ativismo judicial”. Para o novo procurador há questões que não podem ser aprovadas sem apreciação do Congresso Nacional.
“Somos contra o ativismo judicial, mas não podemos deixar de registrar que é preciso também que o parlamento brasileiro, o Congresso Nacional se desincumba satisfatoriamente, a contento dos seus deveres constitucionais de legislar e fiscalizar os demais Poderes. Evidentemente, creio eu, que não poderiam ser objeto de ativismo judicial, entre as quais o aborto, a descriminalização da maconha, que são temas caros, relevantes, que devem merecer a apreciação do Congresso Nacional e não devem ser objeto de ativismo judicial”, relata Aras.
Ele ainda destacou que os intérpretes da Constituição Federal precisam estar atentos para que o Judiciário não “usurpe competências”.“E, numa sociedade complexa, exige-se uma Constituição aberta. Mas essa abertura exige que os intérpretes da Constituição, assim como qualquer um do povo – são qualificados como intérpretes –, estejam atentos para que o Poder Judiciário ou qualquer outro Poder não se arvore a invocar ou a usurpar a competência”, argumentou.
De acordo com o professor António Escrivão o ativismo judicial também se revela, de maneira intensa, na atuação do próprio Ministério Público, como na Lava Jato – fatos evidenciados pelas denúncias realizadas pelo Intercept Brasil. “Se é verdade que a noção de ativismo judicial é usualmente associada à atuação da magistratura, também parece evidente que a partir da expansão das suas funções, na Constituição de 1988, o Ministério Público assumiu e continua intensificando – como evidencia a Lava Jato – posturas que ultrapassam as fronteiras das suas funções, notadamente as garantias processuais, sob o tipicamente autoritário argumento da luta do bem contra o mal”, sublinha Antônio.
Captura corporativa
Augusto Aras se mostrou complacente com as normas aplicadas pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) no que se refere à relação entre magistrados e juízes e demais setores. O novo procurador sustentou seu argumento comparando o número de punições aplicadas pelo CNMP e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“Eu digo que o Ministério Público, do ponto vista disciplinar, não tem corporativismo. Fui membro do Conselho Superior por dois mandatos e eu via a tentativa, talvez corporativista, de punir os adversários e de não punir aqueles que eram acólitos do corporativismo. Mas o CNMP tem um índice de punições muito maior do que o CNJ. O CNMP pune mais do que o CNJ. Embora as regras sejam praticamente as mesmas – as regras ético-disciplinares de juízes e membros do Ministério Público –, é muito maior a condenação do CNMP do que do CNJ” justifica Aras.
De acordo com advogada e integrante da Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh), Luciana Pivato, a resposta do novo procurador ignora o fato já denunciado aos Conselhos Nacional do Ministério Público e da Justiça sobre a inadequação de suas resoluções. Segundo ela as resoluções “não são suficientes para impedir que influências indevidas de setores econômicos e outros espaços do poder público ocorram no sistema de justiça, como se observa com os muitos casos de pagamentos de honorários para realização de palestras e de patrocínio empresarial de eventos”. Luciana relembra que os casos de influência indevida já foram denunciados em espaços internacionais de direitos humanos, como a relatoria especial da Organização da Nações Unidas (ONU) sobre independência judicial. Confira.
Preservação do meio ambiente
Questionado sobre o meio ambiente, Augusto Aras disse que “desenvolvimento sustentável é tudo que desejamos na contemporaneidade, em todo o planeta terra”. Para ele, a união entre “crescimento econômico, proteção ambiental e divisão igualitária dos recursos naturais são o que definem o desenvolvimento sustentável”.
“Em matéria de Direito Ambiental, desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, o mundo despertou para o desafio de compatibilizar o desenvolvimento econômico com a proteção ambiental. Neste campo, o Estado brasileiro tem legislação moderna, pois abraçou o conceito de desenvolvimento sustentável com a preservação do acervo natural, assim também de proteção aos bens imateriais”, destaca Aras. “Esse Ministério Público moderno e desenvolvimentista deve atuar de forma interdisciplinar e com respaldo dos meios técnicos adequados, afastando-se de caprichos pessoais que caracterizam o arbítrio e a ilegalidade”, acrescenta o procurador.
Segundo o advogado popular da organização Direitos Humanos Terra de Direitos, Pedro Martins, a fala abordada por Aras se mostra associada à flexibilização da legislação ambiental. Ele ainda destaca a importância do Ministério Público Federal estar preparado para processos complexos do direito ambiental. “É importante observar o quanto o Ministério Público deveria estar preparado para atuar em casos complexos envolvendo direito ambiental e os direitos étnicos que o conceito de desenvolvimento sustentável não dá conta. O discurso de Aras se assemelha à uma narrativa simplista associada, em geral, à flexibilização da legislação ambiental. Estarão na mesa do PGR processos estruturantes do direito ambiental. Distante da perspectiva socioambiental, o Ministério Público poderá tornar esses processos estruturantes em desfavor de grupos étnicos”, explica Pedro.
Lava Jato
Um dos pontos mais questionados pelos senadores e pelas participações expressas na audiência interativa, registradas no e-cidadania, estava relacionado à percepção de Augusto Aras sobre os desdobramentos recentes da Operação Lava Jato, em especial as denúncias envolvendo o procurador que chefiou as acusações da investigação, Deltan Dellagnol, e o ex-juiz e agora Ministro da Justiça, Sérgio Moro.
Aras disse que a Operação fez o que nenhuma outra investigação anterior foi capaz de fazer e que as pessoas que a chefiavam merecem o reconhecimento. “A Lava Jato é um marco e traz boas referências em torno de investigações e tecnologias, mas é preciso que nós percebamos que toda e qualquer experiência nova traz também dificuldades”, destacou o então candidato ao cargo. “Eu sempre apontei os excessos do Ministério Público, mas sempre defendi a Lava Jato porque é resultado de experiências anteriores que não foram bem sucedidas”, complementou Aras.
Sobre as denúncias contra Dellagnol, Aras disse que os agentes públicos precisam ser reconhecidos pelos resultados, mas que também devem ser “julgados pelos meios” utilizados. “Não há de se desconhecer o grande trabalho que ele fez, em busca de resultados que foram apresentados. Mas se tivesse um colega cabeça branca lá, teríamos feito tudo que ele fez, mas com menos holofotes”, disse.
Compromissos
Em diversos momentos de sua fala Augusto Aras faz menções sobre a importância da defesa da democracia e que isto será o eixo central de sua atuação. Aras se comprometeu a contribuir para efetividade dos direitos fundamentais e principalmente acabar com os crimes ligados à corrupção.
“Dentro de suas competências e atribuições, talvez a sua principal tarefa seja o enfrentamento do crime organizado, de colarinho branco ou sem colarinho, que se constitui no maior entrave à consecução do pacto social. Quando saqueia os cofres públicos e priva a população de serviços essenciais ou quando disputa o domínio do tráfico de drogas ou de armas, constrói um Estado paralelo e obriga o Ministério Público a manter o constante enfrentamento, a ação rápida e eficaz junto à Justiça e aos organismos externos, cumprindo sua destinação constitucional”, defende Aras.
O cargo, agora, assumido por Aras, está entre um dos mais importantes do Estado. A JusDh enfatiza a necessidade do novo procurador possuir pensamento alinhado à missão institucional do MPF e atuar orientado para cumprir valores constitucionais e democráticos. A Articulação também compreende a necessidade de maior participação da sociedade e o aumento de critérios e procedimentos transparentes e democráticos para o processo de indicação do cargo. Saiba Mais.