Ministério da Saúde considera inaptos para doação de sangue – pelo período de 12 meses – os homens que tenham tido relações sexuais com outros homens. Ação que questiona medidas argumenta que regra é discriminatória
Por José Odeveza
Nesta quarta-feira (11/03) o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará a medida que proíbe que gays, bissexuais e mulheres trans possam doar sangue. A Ação de Inconstitucionalidade (ADI 5543), proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), questiona duas portarias – uma do Ministério da Saúde (Portaria n. 158/2016) e outra da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) (RDC n. 34/2014) – que proíbem que homens seja doadores de sangue caso tenham tido relações sexuais com outros homens em um período inferior a 12 meses. Ao recorrer ao STF, o PSB alegou que as normas representam “absurdo tratamento discriminatório por parte do Poder Público em função da orientação sexual”.
De um lado, órgãos de saúde argumentam que a restrição é técnica e apenas consequência da maior prevalência do HIV entre homens gays. Do outro, quem pede por mudanças sustenta que as regras revelam preconceito ao classificar homens gays com comportamento sexual seguro – que são monógamos e sempre usam preservativo, por exemplo – como de alto risco.
Segundo a professora de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Vera Karam, que coordena o Núcleo de Constitucionalismo e Democracia do Centro de Estudos da Constituição (CCONS) – um dos Amicus Curiae na ADI -, ambas as portarias ferem o objetivo da República de combater qualquer tipo de discriminação.
“A resolução da Anvisa afeta os direitos fundamentais à igualdade e à saúde. Nossos argumentos como amigos da corte foram a consideração da população homossexual como categoria vulnerável que requer proteção dos seus direitos fundamentais com base nos princípios constitucionais e nos objetivos da República. Isto porque a proibição de doar sangue ataca a dignidade deste grupo, discriminando-o com base em preconceitos e estigmas”, argumenta a professora.
O julgamento estava interrompido desde outubro de 2017, quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista (mais tempo para análise). Agora o caso está pronto para ser retomado pelo plenário da Corte. Vera Karam destaca que a expectativa é grande para o julgamento, para ela o STF tem tido uma boa atuação frente à garantia dos direitos LGBTQI+.
“A expectativa é boa pois em matéria de garantia de direitos LGBTQI o STF tem tido uma atuação progressista. A homofobia e a transfobia foram consideradas crimes, e esse é um precedente importante” ressalta a professora de direito.
Supremo pela garantia dos Direitos LGBTQI+
Até agora, quatro ministros do STF já votaram para declarar inconstitucional a restrição à doação de sangue por homossexuais: Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. Apesar de ainda existir a possibilidade de troca de voto dos ministros, segundo
o representante da Associação Nacional de Juristas pelos Direitos Humanos LGBTI – Anajudh, Rafael Kirchof, a esperança é de que Alexandre de Moraes – único com voto parcial a Ação até o momento – mude seu entendimento em favor a ADI.
“Ele faz uma ressalva no voto dele dizendo que as normas são inconstitucionais, mas que o sangue que for retirado dessas pessoas – gays, bissexuais e mulheres trans – sejam armazenados pelo prazo da janela imunológica e então sejam efetuados os testes para que posteriormente sejam destinados aos receptores de sangue. Essa conclusão dele ao nosso ver é tecnicamente equivocada porque não faz sentido retirar o sangue e esperar um período da janela imunológica para então fazer o exame porque o vírus do HIV, por exemplo, não continua evoluindo fora do corpo a ponto de ser detectado pelo teste” argumenta Rafael.
Preconceito X Saúde pública
Tanto o Ministério da Saúde como a Anvisa, argumentam que seguem nas portarias recomendações da própria Organização Mundial da Saúde (OMS), em relação ao comportamento de risco, que deve determinar as chances de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), e não a orientação sexual.
Na última sessão do julgamento o ministro Barroso destacou em seu voto que não acredita que as medidas tenham agido por preconceito ao grupo, segundo ele apesar de equivocadas tratam de saúde pública.
“A queixa é legítima, há uma norma que trata de maneira discriminatória um determinado grupo. O resultado foi discriminatório, mas acho que a intenção era legítima de proteção da saúde pública”, disse em outubro de 2017 o ministro Barroso, que considerou “desproporcional” o critério adotado pelo ministério.
As portarias dispõem que indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexuais com outros indivíduos do mesmo sexo estão temporariamente, pelo período de 12 meses após a prática sexual, inaptos para a doação de sangue. Essa restrição parece temporária, todavia quando se tratar de indivíduo do sexo masculino homossexual, com vida sexual ativa, a temporariedade da vedação à doação de sangue passará, obviamente, a ser definitiva.
De acordo com o boletim Epidemiológico de HIV de 2019, apenas 0,4% da população brasileira é portadora do vírus. E segundo levantamento da revista Super Interessante, são cerca de 18,9 milhões de litros de sangue desperdiçados por ano, com as medidas. Por isso uma das principais reivindicações das organizações LGBTQI+ é diminuição dos prazos para doação. Segundo o advogado Rafael Kirchof graças a um pedido da Aliança Nacional LGBTI já existe um indicativo de que a OMS deva voltar a debater o tema.