Nota de repúdio à decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo



Nota de repúdio à decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo
Para a TJSP, as pessoas privadas de liberdade não têm direito à proteção contra a Covid-19

A Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh) manifesta veemente repúdio à decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que indeferiu o pedido de habeas corpus criminal no processo nº 2061058-72.2020.8.26.0000.

O caso tem origem em um pedido da Defensoria Pública do Estado de São Paulo para garantir à assistida a antecipação da progressão de regime. O habeas corpus questiona decisão da Vara de Execução Penal de Campinas, que negou a substituição da pena privativa de liberdade pela prisão domiciliar, no contexto da pandemia. 

A paciente se encontra presa, em regime semiaberto, na Penitenciária Feminina de Mogi-Guaçu (SP), estabelecimento prisional superlotado e sem equipe mínima de saúde. Além da superlotação, a Defensoria enfatiza que a falta de água e a ausência de médicos nas unidades prisionais do Estado de São Paulo revelam que a Penitenciária onde está custodiada não tem condições de garantir as medidas básicas de prevenção ao coronavírus, como higienização frequente das mãos e evitar aglomerações de pessoas e o contato físico.

Nesta quarta-feira (01), o Tribunal de Justiça de São Paulo negou o pedido de prisão domiciliar, sob a justificativa de que “à exceção de três pessoas [que se encontram na estação espacial], todas demais estão sujeitas a risco de contaminação, inclusive os que estavam na Estação Espacial Internacional e retornaram à terra no princípio de setembro de 2019”.  Desse modo, considera que “o argumento do risco de contaminação pela Covid-19 é de todo improcedente e irrelevante”.  

Em sua manifestação, o TJSP, desconsidera a Portaria 188/2020, de declaração de emergência em saúde pública nacional em decorrência da infecção humana pela nova Covid-19, e a Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que os magistrados com competência sobre a execução penal, considerem, dentre outras medidas,  “concessão de saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto, nos termos das diretrizes fixadas pela Súmula Vinculante no 56 do Supremo Tribunal Federal”, sobretudo em relação às “pessoas presas em estabelecimentos penais com ocupação superior à capacidade, que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento […] ou que disponham de instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus”.

A decisão desconsidera um conjunto de manifestações de organizações sociais e instituições nacionais e internacionais sobre o risco da uma tragédia caso a pandemia se alastre pelo sistema carcerário. E ignora orientação da Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos para que os governos “tomem medidas urgentes para proteger a saúde e a segurança das pessoas em detenção e outras instalações fechadas, como parte dos esforços gerais para conter a pandemia da Covid-19”

Ao afirmar que “inúmeras pessoas que vivem em situação que pode ser considerada privilegiada, tais como: o Príncipe Albert de Mônaco, o Príncipe Charles da Inglaterra, primeiro da ordem de sucessão ao trono, o Presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre etc. foram contaminados e estão em tratamento”, o Tribunal ignora e anula o conjunto de desigualdades entre as distintas pessoas que estão sujeitas ao contágio pelo coronavírus, desconsiderando as vulnerabilidades existentes dentro do sistema carcerário.. 

Chama a atenção que um juiz, do alto dos seus privilégios, com altos salários, casa e alimento seguros, afirme estar em situação de igual proteção que uma cidadã, sob custódia do Estado, em uma penitenciária superlotada, sem assistência médica e abastecimento de água regular. A decisão  manifesta um profundo desprezo pela vida daqueles que se encontram sob a custódia do Estado e em situação de maior vulnerabilidade.

Esta decisão do TJ-SP ocorre poucos dias após o Supremo Tribunal Federal (STF) indeferir uma liminar que assegurava a adoção de penas e medidas alternativas à prisão para pessoas com mais de 60 anos, gestantes, lactantes, portadores de doenças preexistentes, além de acusados de crimes cometidos sem violência ou grave ameaças. Uma decisão que afeta os 812.564 presos no Brasil (Banco de Monitoramento de Prisão – CNJ) e mais de 100 mil trabalhadores que atuam no sistema carcerário. 

Considerando a linguagem inadequada e desrespeitosa em relação à impetrante e à paciente, o Conselho Nacional de Justiça se manifestou sobre a decisão, mencionando ser esta uma conduta vedada aos magistrados e magistradas, conforme Lei Orgânica da Magistratura Nacional, art. 35, IV e VIII, e art. 41 c/c arts. 16, 22, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura, pois acabou por expor as pessoas envolvidas ao rídiculo. Assim, o CNJ requereu providências à Corregedoria Nacional de Justiça, bem como pedidos de informação ao Tribunal de Justiça.

A pandemia de coronavírus se instala no contexto de um sistema prisional, reconhecido como estado de coisas inconstitucional e afeta uma população, que já sofre o abandono estatal, da forte manifestação da tuberculose nos presídios, da desassistência à saúde, das instalações precárias, da superlotação em celas, entre outros mil fatores que expõem esta população à uma doença altamente contagiosa, ainda sofre do escárnio e desprezo pelo sistema de justiça, em suas diferentes esferas. Atitudes como a do referido magistrado não podem e nem devem ser aceitas pelo Sistema de Justiça brasileiro.

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